A Dialética e o Yoga: não negue a dor.
Entrei em contato com o conceito de Dialética a partir do livro "Dialética da Natureza" de Engels, um livro da biblioteca de minha mãe que me chamou atenção aos 17 anos, um marco em minha vida.
Eu já estava estudando a Filosofia do Yoga, pois era uma necessidade minha não só praticar, mas entender o que eu estava fazendo. Ramacharaca (Jnana Yoga), Sri Aurobindo (Yoga Integral), Alice Christensen, Professor Hérmogenes (Hatha Yoga), são alguns autores que entrei em contato nesta época.
Um pensamento muito constante nos escritos das diversas linhas do Yoga, é de que o praticante não deve negar a dor. Claro, estava cedo para que eu entendesse de forma mais profunda essa frase. Toda ideia que entramos em contato, vamos compreender a partir da consciência daquele momento. Eu iniciei uma prática de posturas muito rigorosa, me expondo a dores físicas para avançar. Essa foi minha compreensão possível, não cheguei a me machucar, pois já tinha um corpo flexível e trabalhado pela dança, capoeira e Thai Chi Chuan, mas poderia ter me machucado, sim.
A minha compreensão estava equivocada e eu só fui entender melhor quando li o livro de Engels. Neste livro, o filósofo define as leis da Dialética, defende que a realidade e a ciência devem ser compreendidas, desenvolvidas, descritas a partir desse olhar mais complexo, de forma simplória, digamos que para além dos opostos, por exemplo, bem e mal. As leis da Dialética, nunca vou esquecer a imagem dessa página do livro, são:
- Tudo flui;
- A negação da negação;
- A interpenetração dos contrários;
E o que tem a ver a Dialética com a frase, "o praticante não deve negar a dor": tudo. Primeiramente, a dor não é só física, depois de um tempo praticando, fui distinguindo a dor do alongamento, do contato com a tensão e a dor de ultrapassagem de algum limite do meu corpo, esta última eu devo escutar e recuar, as primeiras, vejo como parceiras, entro em um contato contínuo e suave, com elas e a partir da respiração, vou desfazendo os nós, alongando e relaxando, como vimos nos textos anteriores.
A dor falada é a dor psicofísica, primeiramente, existencial, ligada ao mistério da vida, do porque e para que estamos aqui, a dor da insegurança de não saber quem sou e para onde vou, a dor do envelhecimento e da morte, essas são certezas em nossas vidas. Podemos falar, também, das dores da história, perdas, traumas, desilusões, frustrações essas são dores que vivenciamos em nossa individualidade, no desenrolar de nossa história.
O praticante de Yoga vai entendendo que , a partir do silêncio, da auto-observação, do espaço calmo criado pela prática, é possível entrar em contato com a dor, sem desespero, tentando entendê-la, compreendê-la. O que a dor fala sobre nós? Como ela pode contribuir no nosso desenvolvimento? Como ela pode nos fortalecer? Como as dores se expressam no meu corpo e mente, para que eu possa desenvolver estratégias, comportamentos e atitudes que me ajudem a lidar com elas, sem me destruir.
Essa é uma postura dialética, eu não entendo a dor como algo puramente ruim, algo que eu precise, com todas as minhas forças banir da minha vida, pelo contrário, eu compreendo, ou seja, sinto e entendo, que quanto mais eu nego cada dor, ela intensifica sua expressão, pois ela quer, vamos dizer assim, comunicar algo para mim. Escute-a, com todo teu amor.
Quando compreendemos esse fenômeno psicofísico, vamos além dos contrários, em pensamento, a partir do olhar para a vida, em nossas atitudes e a sensação é de que a vida flui. A vida não é feita de obstáculos que nos aprisionam, paralisam, desesperam, ela flui com suavidade, a partir de mecanismos profundos que a prática de Yoga proporciona para entrar em contato, observar, compreender e incorporar a dor como parte da existência, e assim, a dor se expressa em uma intensidade possível de ser processada. Aqui conecto Yoga e Dialética.
Por fim, esse pensamento-prática fortalece a vivência da coletividade, podemos vivenciar nossas dores individualmente, mas nunca estaremos sós, todo ser humano sofre e de dores muito parecidas, nunca iguais, pois somos seres diversos, vivenciamos contextos socioculturais diversos e sentimos de formas diversas, e quão rico é refletir coletivamente sobre nossas angustias, ou seja, não há motivo algum para vergonha ou para esconder a dor. Por mais que pensamentos do senso comum, as redes sociais fortaleçam essa ideia, não se deixe acreditar.
Um abraço gigante para todas as lunas e lunos (com luz) e para pacientes queridas e queridos.
Esse texto foi escrito, sentindo, pensando em cada um de vocês.
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